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FONTES DE DADOS PARA ELABORAR INDICADORES DE SAÚDE

Conteúdo

Conceitos de fontes primárias e secundárias de dados, identificação, descrição, usos e limitações das principais fontes de dados usadas em saúde pública para elaborar indicadores de saúde.

Objetivo

Apresentar os conceitos básicos e as vantagens e desvantagens das principais fontes de dados usadas em saúde pública para elaborar indicadores de saúde.

AO FIM DESTE CAPÍTULO, O LEITOR SABERÁ DEFINIR:

  • a diferença entre fonte primária e fonte secundária de dados
  • as principais fontes secundárias de dados para a estimativa de indicadores
  • os principais critérios de qualidade de fontes secundárias de dados
  • como a qualidade das fontes de dados é influenciada pela qualidade do indicador de saúde oriundo dessas fontes.

Ao se decidir monitorar um determinado aspecto da saúde de uma população com o uso de indicadores, existem duas opções claras:

  • estabelecer as fontes de dados existentes que, embora que não tenham sido preparadas com esse propósito, facilitem a elaboração de um indicador confiável,
  • se não existem fontes de dados adequadas, delinear mecanismos próprios de coleta de dados para a elaboração do indicador ou conjunto de indicadores.

Estas duas opções definem o que se denominam dados secundários (provenientes de fontes secundárias) e dados primários (provenientes de fontes primárias). A decisão entre criar uma fonte de dados para um certo objetivo de monitoramento em saúde de uma população ou usar fontes de dados disponível deve se basear nas vantagens e limitações de cada opção. É importante, portanto, ponderar sobre a qualidade das fontes de dados disponíveis diante do esforço de criar e manter novas fontes de dados.

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3.1 FONTES DE DADOS

3.1.1 FONTES PRIMÁRIAS DE DADOS

Os dados provenientes de fontes primárias fornecem evidências diretas de um evento. A coleta de dados pode ser feita de maneiras distintas: censo populacional ou pesquisa nacional ou local (em geral inquéritos, amostrais ou não). Criar um sistema de informação para servir aos objetivos específicos produzirá dados primários. Ou seja, se diz que os indicadores são baseados em dados primários se a fonte de dados foi criada para atingir um objetivo específico.

O objetivo da na maioria dos sistemas de notificação de casos de tuberculose nos países é apoiar a vigilância e o controle da doença. Os indicadores gerados a partir desse sistema de informação são exemplos de indicadores produzidos com dados primários. De modo análogo, uma pesquisa de crianças em idade escolar cujo objetivo é estimar a prevalência de comportamentos de risco em uma amostra da população será considerada uma fonte primária sempre que for usada para esta finalidade.

3.1.2 FONTES SECUNDÁRIAS DE DADOS

Os dados de fontes secundárias são aqueles que foram originalmente coletados para outros propósitos. Dados obtidos de fontes existentes são considerados secundários. Embora essas fontes não tenham sido criadas para esta finalidade, facilitam a elaboração dos indicadores necessários. Dados obtidos de censos, pesquisas e sistemas de informação são exemplos de dados de fontes secundárias.

3.1.3 VANTAGENS E DESVANTAGENS DAS FONTES E DADOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS

Na Figura 3 destacam-se as vantagens e desvantagens do uso de fontes e dados primários e secundários para elaboração e monitoramento de indicadores de saúde.

Figura 3. Vantagens e desvantagens do uso de fontes e dados primários ou secundários para elaboração e monitoramento de indicadores de saúde
FONTES E DADOS
CaracterísticasPrimáriosSecundários
Vantagens
  • Maior controle da qualidade e coleta mais adequada com a normalização dos procedimentos, melhor definição das variáveis e da população-alvo de interesse, entre outros fatores.
  • Menor dificuldade de estratificar os indicadores em subgrupos populacionais de interesse (contanto que tenham sido coletadas as variáveis para atender aos propósitos de estratificação).
  • Maior comparabilidade dos indicadores no tempo e espaço devido à possibilidade de estabelecer maior normalização das definições e procedimentos usados entre os grupos, bem como à ampliação do período de análise (mais adequado aos objetivos propostos).
  • Menor custo e maior senso de oportunidade na obtenção de dados e elaboração de indicadores.
Desvantagens
  • Maior custo e consumo de tempo para obter o dado, o que pode comprometer o senso de oportunidade do indicador (sobretudo no uso na gestão da saúde) e limitar o potencial de uso.
  • Maior esforço analítico para extração, definição e interpretação dos indicadores de interesse devido a:
    1. possibilidade de serem inadequados (quanto aos objetivos e indicadores de interesse) para definir o caso e a população-alvo
    2. dúvidas quanto à qualidade dos dados (falta de normalização dos procedimentos e capacitação dos encarregados por gerar os dados).
  • Maior dificuldade de estratificar os indicadores em subgrupos populacionais de interesse por potencial falta de variáveis relevantes que permitam essa estratificação.
  • Maior dificuldade de comparar os indicadores no tempo e espaço por possíveis mudanças nas definições e procedimentos usados.

3.2 ATRIBUTOS PARA SELECIONAR FONTES SECUNDÁRIAS DE DADOS

Se os dados requeridos para elaborar o indicador a ser monitorado podem ser obtidos de fontes secundárias, antes de selecioná-las, devem ser consideradas as características dos dados, assim como as vantagens e desvantagens das fontes secundárias dos dados expostas no item 3.1. A seguir, são descritos os principais atributos para selecionar fontes secundárias de dados para elaborar indicadores de saúde de base populacional. No entanto, estes atributos podem e devem ser avaliados de acordo com o propósito para o qual os dados serão usados.

  • REPRESENTATIVIDADE POPULACIONAL: diz respeito à ausência de viés de seleção da população que se pretende representar com o indicador. Amostras não representativas (por exemplo, amostras por conveniência ou em unidades-sentinela) ou com índice elevado de falta de resposta ou subnotificação dos sistemas de informação podem comprometer a representatividade de determinadas fontes de dados. Por exemplo, o sistema de informação sobre nascidos vivos de um país é um sistema universal porque se supõe que abrange todas as crianças nascidas vivas, em qualquer tipo de estabelecimento ou local onde tenha ocorrido o nascimento. Contudo, sabe-se que o nascimento de crianças em situação de maior vulnerabilidade (oriundas das áreas mais pobres ou zona rural ou indivíduos sem moradia ou indígenas) pode não ser registrado neste sistema. Neste caso, existe um viés na representatividade desses grupos da população. De modo semelhante, as pesquisas sobre vítimas da violência a partir de amostras de unidades-sentinela (serviços de saúde de referência para esse tipo de assistência) podem não ser representativas da população, entre outros porque este tipo de amostragem exclui de forma sistemática as vítimas com ferimentos menos graves ou ferimentos fatais que não chegam a ser atendidas em um serviço de saúde.
  • PERIODICIDADE: os dados podem ser coletados de forma contínua, como no registro civil, registro de câncer, sistemas de vigilância de doenças de notificação compulsória; de forma periódica, a intervalos regulares (por exemplo, o censo populacional a cada 10 anos e as pesquisas com crianças em idade escolar a cada três anos) ou sem periodicidade predefinida; e de forma pontual, ou uma única vez (por exemplo, os inquéritos de saúde sobre assuntos específicos e as pesquisas acadêmicas). Os estudos pontuais de saúde são reconhecidamente uma fonte útil de informação importante para elaborar indicadores específicos, porém têm utilidade limitada no monitoramento dos indicadores a longo prazo. Ademais, várias pesquisas específicas dão uma ideia da tendência apesar de não terem comparabilidade metodologia ideal. Um exemplo são as pesquisas sobre a prevalência do tabagismo com métodos e populações-alvo diferentes que dão uma noção geral da tendência, porém sob certas limitações.
  • VALIDADE: é a capacidade da fonte de medir o que se pretende medir (ausência de distorções, vieses ou erros sistemáticos). Os vieses mais importantes são aqueles relacionados com a seleção da população objeto de estudo e a qualidade da informação coletada. A fonte deve conter as variáveis necessária para elaborar o indicador. Um exemplo é o sistema de informação sobre nascidos vivos que inclui dados sobre malformações congênitas (inclusive microcefalia). Em geral, as observações feitas no momento do nascimento, sem exames complementares nem acompanhamento das crianças, tendem a subestimar a prevalência de malformações congênitas. Apesar de o sistema ser bastante sólido como base de dados para uma série de outros indicadores, ele não tem validade para estimar a prevalência de malformações congênitas em crianças.
  • SENSO DE OPORTUNIDADE: diz respeito à disponibilidade e confiabilidade dos dados no momento em que se faz necessário elaborar os indicadores. Isso aumenta a possibilidade de elaborar indicadores oportunos para a tomada de decisão em saúde.
  • ESTRATIFICAÇÃO: muitos problemas relacionados à saúde requerem indicadores estratificados por subgrupo populacional ou por áreas de interesse. O grau de estratificação disponível na fonte de dados escolhida gera diversas interpretações analíticas. Estas considerações podem ampliar ou limitar consideravelmente o uso do indicador na tomada de decisão.
  • SUSTENTABILIDADE: é o potencial da fonte de continuar sendo relevante e manter a qualidade exigida para gerar informação com o decurso do tempo. Depende não apenas da periodicidade da coleta de dados, mas também da disponibilidade dos recursos financeiros necessários para manter esta fonte de dados em particular, do enquadramento legal e de vontade política entre outros. As pesquisas realizadas por telefone são mais sustentáveis porque precisam de menos recursos. Contudo, são limitadas comparativamente às pesquisas baseadas em entrevistas pessoais e medidas biométricas.
  • PRECISÃO: algumas amostras probabilísticas bem delineadas e com boa representatividade possuem certo grau de imprecisão que deve ser levada em conta em qualquer indicador obtido destas amostras. A imprecisão pode ser levada em conta, por exemplo, quando são calculados os intervalos de confiança que informam ao usuário (em geral, com 95% de confiança) os valores plausíveis de um determinado indicador para a população amostrada. Apenas as fontes de informação censitária, como censos populacionais, fontes de dados universais e sistemas de informação de estatísticas vitais, idealmente não apresentam imprecisão nos resultados.
  • ACESSO AOS DADOS: significa garantir a disponibilidade dos dados ao público em repositórios nacionais de dados e outr as alternativas.

3.3 PRINCIPAIS TIPOS DE FONTES

Entre as principais fontes de dados estão os censos demográficos, os sistemas de informação de estatísticas vitais, os sistemas de notificação de doenças, os registros de câncer, as pesquisas de base populacional e outras pesquisas amostrais (locais ou subnacionais, contínuas ou periódicas) e os diferentes sistemas de informação em saúde ou de outros setores com finalidade.

3.3.1 CENSOS DEMOGRÁFICOS

Na maioria dos países, o censo demográfico é a fonte de dados sobre as características da população mais usada. Os censos são de extrema importância para elaborar indicadores e planejar intervenções em saúde. Outras fontes de dados demográficos são os censos sobre moradia, registros civis e estimativas nacionais de variáveis de interesse. Os dados demográficos são necessários para calcular vários indicadores de saúde. Entre os dados coletados no censo nacional estão: a) população total por sexo, idade e grupo étnico; b) crescimento da população; c) proporção de população urbana e rural e d) razão de dependência. Além disso, os censos demográficos são fontes secundárias de dados quando são usados como denominador de diversos indicadores (taxas, proporções, razões) de saúde como taxas de mortalidade, incidência e prevalência de doenças, acidentes e violência, prevalência de fatores de risco e sequelas de acidentes e violência e proporção de leitos hospitalares por população.

Com a crescente necessidade de informação, os censos passaram a ser fundamentais para os sistemas de informação, pois têm finalidade política, administrativa, técnica e científica.

Os dados para toda a população são coletados em entrevistas pessoais. Na maioria dos países, os censos representam dados periódicos, obtidos a cada 10 anos e a informação resultante é divulgada dali a dois anos.

Os pontos fortes dos censos são: a) alta representatividade, pois proporcionam um registro completo (ou quase completo) de toda a população do país, b) periodicidade, apesar de a coleta de dados ser feita a cada 10 anos, é útil dispor de informação que leva em conta o momento da coleta, sobretudo como ponto de referência, c) alta sustentabilidade, pois o censo é incumbência de um órgão governamental que fornece os recursos e a base legal, d) conhecimento sobre a distribuição da população quanto a características importantes e e) inclusão de perguntas sobre a saúde.

Uma limitação do uso de dados dos censos é a possibilidade de haver inexatidão das estimativas sobre a população nos anos intercensitários. As estimativas tendem a perder a exatidão quanto mais distante do ano do censo. É preciso atentar que as estimativas tendem a perder a exatidão quanto mais se distanciam do ano do censo e os cálculos estão sujeitos a mudanças com as novas informações demográficas sendo elaboradas. Vários métodos são usados para estas estimativas e cada qual tem pressupostos próprios, mas todos incluem os componentes demográficos básicos: fecundidade, mortalidade e migração (1).

Diante das grandes mudanças nos determinantes do padrão demográfico de um país, os métodos existentes são problemáticos, sobretudo quanto às projeções populacionais. Pode-se citar a dificuldade em fazer projeções populacionais adequadas a partir de censos demográficos realizados a cada 10 anos diante da redução acentuada e acelerada das taxas de fecundidade ocorrida entre 1980 e 2010. Os fluxos migratórios desencadeados por conflitos ou fatores econômicos também influem nas projeções populacionais. Estes fatores também recaem sobre as estimativas dos indicadores de saúde, pois os dados populacionais oriundos de censos demográficos e projeções populacionais são usadas como denominador. Sendo assim, se os indicadores são observados ao longo do tempo, recomenda-se que sejam recalculados retrospectivamente quando são feitas novas projeções populacionais.

3.2.2 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE

Os sistemas nacionais de informação em saúde fornecem dados para eventos relacionados à saúde. Além disso, fornecem alguns dados relacionados aos censos. Esses sistemas podem ter subsistemas que abrangem eventos específicos relacionados à saúde para incluir a taxa de mortalidade, o sistema de informação sobre nascidos vivos e de agravos de notificação compulsória e os registros de câncer e de outras doenças.

  • Sistemas de informação sobre mortalidade: na Região das Américas, é obrigatório notificar todos os óbitos. Em alguns países, é necessário preencher a declaração de óbito e posteriormente registrar esses eventos no sistema de registro civil, que emite um atestado de óbito (documento legal). A OMS propôs um modelo internacional de certidão de óbito para declaração médica da causa de óbito contendo um conjunto mínimo de variáveis como causas básicas, causas intermediárias e causas imediatas da morte. Na maioria dos países, as causas da morte são codificadas usando a Classificação Internacional de Doenças (CID) (2). Isso permite fazer comparações entre os países e no tempo. Em alguns países, sobretudo em áreas remotas, a cobertura dos óbitos é incompleta, comprometendo a representatividade das estatísticas de mortalidade. A proporção de subnotificação e a de óbitos por causas mal definidas são indicadores da qualidade das estatísticas de mortalidade (3-5).
  • Birth registration systems:Sistema de informação sobre nascimentos: é uma fonte de dados censitários e coleta de estatísticas vitais. O registro de toda criança nascida viva é obrigatório nos países da Região das Américas. Na maior parte dos países, os nascimentos ocorrem em serviços de saúde onde é emitida uma declaração de nascido vivo, com o registro posterior no sistema de registro civil e a emissão de um documento legal - certidão de nascimento. A declaração de nascimento gera dados para elaborar indicadores bastante úteis para o monitoramento da saúde materna e da criança durante o período pré-natal, o parto e o período perinatal, além de descrever o perfil de fecundidade da população. A padronização das definições, formulários e variáveis de interesse facilita a comparação entre os países e no tempo. A principal limitação de trabalhar com os indicadores de nascimentos é que a cobertura pode ser incompleta, sobretudo nas áreas remotas de alguns países, comprometendo a representatividade das estatísticas. A proporção de subnotificação de nascimentos e a falta de informação sobre as variáveis importantes são indicadores da qualidade dos registros sobre nascimentos (6).
Estes dois sistemas de informação são fontes de dados para elaborar indicadores. Os sistemas de informação que contêm as estatísticas vitais, sobretudo de mortalidade e nascimentos, têm diversos pontos fortes: a) alta sustentabilidade, visto que todos os países têm legislação que estabelece as estatísticas vitais; b) periodicidade contínua, pois os dados são produzidos de forma contínua conforme são registrados os fatos à medida que ocorrem; e c) alta representatividade em quase toda a Região, com problemas pontuais de representatividade em algumas áreas por causa da subnotificação.
  • Sistemas de vigilância de saúde pública: segundo a OMS, a vigilância de saúde pública é a coleta, análise e interpretação contínuas e sistemáticas dos dados de saúde necessários ao planejamento, execução e avaliação da prática de saúde pública (7). Esses sistemas são fontes de dados úteis para elaborar indicadores de morbidade relacionados à prevenção e ao controle de doenças transmissíveis, doenças não transmissíveis e acidentes e violência. Os sistemas de vigilância de doenças transmissíveis têm como principal função dar o alerta precoce de possíveis ameaças à saúde pública, permitindo monitorar os programas e as medidas de prevenção e controle. Dispor de sistemas nacionais de vigilância e resposta eficazes é fundamental para a segurança em saúde ao nível nacional, regional e global.
  • Na maioria dos países da Região das Américas, os ministérios da Saúde implantaram sistemas nacionais de vigilância. Contudo, em cada país, existem diferenças nestes sistemas com relação ao número de doenças sob vigilância, tipo de informação coletada, uso de registros eletrônicos ou impressos e cobertura do sistema. A vigilância das doenças não transmissíveis pode ser feita em serviços de saúde (com informações de instituições de saúde) ou usando pesquisas de saúde de base populacional. Além disso, a vigilância pode ser feita por meio de programas que combatem doenças específicas como tuberculose e doenças que podem ser evitadas por vacinação. Em alguns países, a vigilância de certas doenças por não estar integrada ao sistema de vigilância nacional. Vale destacar que as definições dos casos de vigilância podem mudar no decorrer do tempo em resposta a mudanças nas características da epidemia, como ocorreu no caso da epidemia de HIV/aids e de infecção pelo vírus H1N1. Outra ferramenta de vigilância é o Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI), que estabelece o acompanhamento de doenças que podem cruzar fronteiras e representar uma ameaça às pessoas em escala mundial.

    Nos últimos anos, os sistemas de vigilância têm sido usados para monitorar uma ampla variedade de agravos de saúde, fatores de risco e outros problemas de saúde pública. Alguns países implementaram registros de vigilância de doenças não transmissíveis (câncer do colo do útero, infarto agudo do miocárdio, violência, diabetes, etc.) ou problemas de saúde causados por substâncias ambientais tóxicas. Estes registros reúnem informação sobre todos os casos destas doenças por meio de uma rede de serviços de saúde ou unidades-sentinela para notificação. Constituem uma fonte de dados importante sobre os indicadores de morbidade relacionados com a prevenção e o controle de doenças (8).

Entre as principais vantagens do uso dos sistemas de vigilância como fonte para a elaboração de indicadores estão: a) representatividade, apesar de haver variação segundo as características do sistema no país; b) nível alto de sustentabilidade para monitorar as doenças que são objeto de regulamentação e legislação; e c) alta periodicidade, visto que os dados são reunidos de forma constante.
Deve-se destacar que, como a real frequência e distribuição do agravo de saúde na população em geral é uma estimativa, é impossível medir de maneira exata a representatividade.

    A coleta, análise e interpretação de dados de vigilância e indicadores de vacinação têm sido fundamentais para elaborar estratégias de controle e erradicação de doenças evitadas por vacinação. Salienta-se que a Região das Américas foi a ser a primeira região da OMS a ser certificada como livre de poliomielite e a primeira a ter interrompido a transmissão endêmica de sarampo e rubéola.

  • Registros de câncer de base populacional: são referência na provisão de informação sobre esta doença. Este tipo de registro faz a coleta, classificação, análise e apresentação de informação sobre todos os tipos de neoplasias de notificação compulsória ocorridas em uma população geograficamente definida. Esta informação é obtida de diversas fontes como hospitais, laboratórios de análises clínicas e departamentos de estatísticas vitais. O cálculo rotineiro de taxas (por 100.000 habitantes) oriundas dos registros de câncer de base populacional fornece informação que pode ajudar as autoridades de saúde pública a entender melhor o câncer e seu tratamento, bem como avaliar os programas de prevenção e controle da doença. Esta informação proporciona uma base sólida para o planejamento e implementação de programas para reduzir a morbidade do câncer e para pesquisas relacionadas.

3.2.3 DADOS ROTINEIROS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

O funcionamento normal dos serviços de saúde produz dados bastante úteis sobre a prestação de serviços (hospitalizações, consultas, cirurgias, implantes de próteses), cobertura das intervenções de saúde e recursos (número de médicos, número de enfermeiros, número de leitos, número de vacinas aplicadas, gastos no setor da saúde) e padrões de doença. Os dados provenientes de serviços de saúde são a única fonte de vários indicadores, como acesso aos serviços de saúde e taxa de partos cesáreos. Além disso, os serviços de saúde são uma importante fonte de dados subnacionais, por província, região ou distrito, relacionada diretamente às decisões de gestão.

Diferentemente dos dados de inquéritos, os dados provenientes dos serviços de saúde são produzidos de forma contínua e podem servir para preparar relatórios anuais ou, se necessário, com maior frequência.

Na Região, sobretudo no Caribe, os países têm interesse cada vez maior na implantação de sistemas de informação nacionais nas hospitalizações, nos serviços ambulatoriais e serviços de emergência, assim como no uso de registros médicos eletrônicos. Em Belize e Dominica, foram feitos grandes investimentos neste sentido.

Por outro lado, como estas fontes de dados são normalmente criadas para fins administrativos em vez do monitoramento dos próprios eventos de saúde, os dados epidemiológicos gerados podem estar sujeitos a vieses associados à cobertura, qualidade e uso eficaz. Uma característica comum em alguns países é a fragmentação dos sistemas e a dificuldade de intercâmbio de informação entre os setores público e privado, resultando em relatórios demorados, incompletos ou incorretos. Apesar destas dificuldades, há motivos para otimismo diante da introdução cada vez maior das novas tecnologias da informação (registros médicos eletrônicos entre outros) que têm o potencial de melhorar consideravelmente a qualidade e o uso dos dados para a tomada de decisão (9).

As associações profissionais também podem gerar dados sobre recursos humanos em saúde. Contudo, esses dados podem apresentar distorções se a informação sobre óbitos, migração, tipo de capacitação ou ocupação atual, entre outros, não for periodicamente atualizada.

3.3.4 PESQUISAS POPULACIONAIS (INQUÉRITOS)

Um inquérito nacional de saúde é um estudo epidemiológico descritivo, transversal, útil para estimar taxas de prevalência de eventos autorrelatados ou medidos no momento da pesquisa, em geral conduzida em uma amostra representativa (de seleção probabilística) da população-alvo.

As pesquisas populacionais (inquéritos) passaram a ser uma fonte importante de informação sobre a situação sanitária e os determinantes sociais (da saúde) (9). Elas fornecem dados com muitas finalidades, como as relacionadas a fatores de risco, acesso e utilização dos serviços, disponibilidade e uso de medicamentos, morbidade, saúde mental, violência e lesões, incapacidade, uso de drogas, saúde reprodutiva, condições de trabalho e estilos de vida e saúde, entre outros.

Com estas pesquisas, é possível estimar taxas de prevalência de doenças, fatores de risco, comportamentos, problemas de saúde pregressos, situações de vulnerabilidade, conhecimentos, atitudes e hábitos sobre práticas de saúde ou utilização dos serviços de saúde, entre outros. A população-alvo pode ser a população geral, definida pela área geográfica de residência, ou de uma população específica, definida por algum atributo de interesse, como adolescentes, crianças em idade escolar, mulheres em idade reprodutiva, homens em idade específica ou população encarcerada.

Um exemplo de pesquisa populacional é o Sistema Internacional de Vigilância do Tabagismo (GTSS, em inglês). Trata-se de uma pesquisa abrangente que monitora o tabagismo e as políticas estabelecidas na Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco (CQCT da OMS), porém este sistema não foi concebido para facilitar comparações com outros fatores. Um exemplo de inquérito multitemático é a pesquisa de vigilância com método STEPwise da OMS, que possui características de um inquérito geral e abrange uma diversidade de tópicos em saúde, com a finalidade de monitorar tendências em um país. Isso possibilita a coleta de medidas biológicas e antropométricas, mas não permite o monitoramento rigoroso de todos os tópicos, sobretudo quanto à aplicação das políticas (10).

Os dados dos inquéritos são obtidos com o uso de diferentes metodologias de comunicação, como entrevistas pessoais (inquéritos domiciliares) e por telefone ou com o uso de questionários preenchidos pelos próprios pesquisados. Os inquéritos populacionais permitem monitorar a população ao longo do tempo com o uso de amostras probabilísticas, a um custo menor e com trabalho de campo simplificado, ou com uma estrutura mais complexa e dispendiosa. Inquéritos realizados em escolas têm surtido bons resultados em todo o mundo e representam um exemplo de como realizar uma pesquisa populacional de forma simples e menos dispendiosa. Eles contrastam claramente com os inquéritos domiciliares, que requerem estrutura e processo de maior complexidade.

O uso de inquéritos populacionais têm diversos pontos fortes: a) possibilitam a coleta de dados para elaborar indicadores relacionados não só com doenças, mas também com aspectos de saúde como proporção de consumo de frutas e hortaliças; b) constituem uma fonte complementar ao sistema de informação em saúde sendo instrumento importante para formular e avaliar políticas públicas; e c) facilitam comparações com os dados do registro civil.

Os inquéritos domiciliares podem ser usados como fontes de dados para calcular indicadores relativos aos determinantes da saúde, estado de saúde e tendências de gastos em saúde ao nível nacional e do indivíduo.

Entre as limitações do uso de inquéritos populacionais como fonte de dados estão: a) informação é fornecida com base no autorrelato da própria saúde e das próprias doenças; b) quanto à taxa de resposta, o resultado final do inquérito depende do planejamento e da receptividade dos participantes em dar informação; e c) o nível de representatividade e o grau de desagregação podem aumentar consideravelmente o custo do inquérito (10-11). Além disso, a falta de sustentabilidade ao longo do tempo por insuficiência de recursos ou falta de vontade política pode ser um obstáculo.

Muitos países da Região vêm realizando inquéritos domiciliares sobre diferentes tópicos de interesse. Alguns países usam os inquéritos nacionais de saúde como uma importante fonte de informação em saúde. Contudo, é importante que os países continuem realizando esforços para reforçar a capacidade, criar um sistema de vigilância sustentável e dispor de fundos ordinários destinados para garantir que seja gerada de maneira sistemática e oportuna informação confiável, padronizada e periódica.

Na Figura 4 são listadas pesquisas realizadas ao nível global sobre doenças não transmissíveis e fatores de risco.

Figura 4. Inquéritos nacionais e internacionais sobre doenças não transmissíveis e fatores de risco (1)
PESQUISA POPULAÇÃO-ALVO (IDADE EM ANOS) PRINCIPAIS COMPONENTES ORGANISMOS ENVOLVIDOS
PESQUISA MUNDIAL DE TABAGISMO EM JOVENS 13-15 Aspectos sociodemográficos, tabagismo (padrão de fumo e produtos), medidas de redução da demanda contempladas na CQCT da OMS, conhecimento, atitude e percepção. OMS/CDC
PESQUISA MUNDIAL DE SAÚDE DO ESCOLAR 13-15
13-17
Uso de álcool, comportamentos alimentares, uso de drogas, higiene, saúde mental, atividade física, fatores de proteção, comportamentos sexuais, tabagismo, violência e acidentes. OMS/CDC
Método STEPwise 15+/18+/25+ PASSO 1: Avaliação baseada em questionários. Dados socioeconômicos, dados sobre tabagismo e uso de álcool; mensurações do estado nutricional e nível de inatividade física como marcadores do estado de saúde atual e futuro.
PASSO 2: Medidas antropométricas simples. Este passo acrescenta elementos ao passo 1 com a inclusão de medidas antropométricas simples (altura, peso, circunferência abdominal e pressão arterial).
PASSO 3: Medidas bioquímicas.
OMS
PESQUISA MUNDIAL DE TABAGISMO EM ADULTOS 15+ Dados sociodemográficos, tabagismo (padrão de fumo e produtos), medidas de redução da demanda segundo a CQCT da OMS como exposição ao fumo passivo e respectivas políticas, cessação de fumar, conhecimento, atitudes e percepções, exposição na mídia e aspectos econômicos. OMS/CDC
PESQUISAS DE DEMOGRAFIA E SAÚDE Sexo feminino de 15 a 49 anos (idade fértil) e sexo masculino (15 a 59 anos ou 15 a 54 anos) Anemia, saúde infantil, violência doméstica, educação, saúde ambiental, planejamento familiar, ablação genital feminina, fecundidade, violência de gênero ou doméstica, HIV/aids, características do domicílio e dos participantes, mortalidade perinatal e infantil, malária, saúde materna, nutrição (inclusive iodação do sal), tabagismo e exposição ao fumo passivo, mortalidade materna, antropometria, empoderamento da mulher, gasto em saúde). USAID
ESTUDOS DE AVALIAÇÃO DO NÍVEL DE VIDA Resposta representativa dos familiares Incapacidade, consumo, renda, situação de trabalho, bem-estar subjetivo, desigualdades de oportunidade, serviços financeiros, risco e vulnerabilidade, infraestrutura e gênero. Banco Mundial
PESQUISA SOBRE ABUSO DE DROGAS 12-65 Prevalência do uso de álcool e tabagismo e drogas ilícitas UNODC-OEA/CICADS
Agências relacionadas abuso de drogas
PESQUISA DE GRUPOS DE INDICADORES MÚLTIPLOS Sexo feminino de 15 a 49 anos e informação sobre menores de 5 anos Mortalidade infantil, nutrição, saúde infantil, água e saneamento, saúde reprodutiva, desenvolvimento infantil, educação, proteção infantil, HIV/aids e comportamento sexual, acesso aos meios de comunicação em massa e tecnologia, bem-estar subjetivo, tabagismo e uso de álcool UNICEF
PESQUISA SOBRE FATORES DE RISCO COMPORTAMENTAIS 18+ Práticas de saúde preventiva relacionadas à saúde e comportamentos de risco associados a doenças crônicas, lesões e doenças infecciosas que podem ser evitadas. CDC

Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS), Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC); Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco (CMCT); Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID); Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC); Organização dos Estados Americanos (OEA); Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD); Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).


3.4 MAPEAMENTO DAS FONTES DE DADOS

O mapeamento das fontes de dados é um inventário das fontes de dados disponíveis ao nível de país, estado, província ou outra unidade geográfica administrativa. Envolve encontrar e descrever todas as fontes de dados disponíveis no país para determinar quais podem ser usadas para elaborar indicadores de saúde. Esta atividade ajuda a determinar lacunas e a necessidade de fontes novas ou complementares de dados para elaborar indicadores de saúde adequados. Se houver falta de dados em uma dada área ou componente do programa em particular, é importante coletar os dados para análise subsequente. O mapeamento de fontes de dados consiste de:

  • elaborar uma lista de todas as fontes de dados disponíveis (por tipo) usadas na preparação de indicadores de saúde no país com o período que abrange o conjunto dos dados e, quando convier, a mesma lista deve ser preparada com outras fontes ao nível de estado, província e comunidade.
  • montar uma tabela com informações sobre o nível de desagregação disponível em cada fonte que tenha relevância para analisar os indicadores de saúde.
Figura 5. Exemplo de lista de fontes de dados disponíveis para elaborar indicadores (dados fictícios)
FONTE/TIPO DE AMOSTRA POPULAÇÃO-ALVO INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL TIPO DE COLETA DE DADOS ANO DA COLETA DE DADOS DESAGREGAÇÃO DE INTERESSE
Censo populacional Nacional (universal) Instituto nacional de estatística Periódica (a cada 10 anos) Rodadas 1990, 2000 e 2010 Sexo, idade, unidade geográfica, nível de escolaridade, grupo étnico
Sistema de informação sobre internações hospitalares/amostra censitária Nacional (apenas atendimento hospitalar em serviços públicos) Ministério da Saúde Contínua Desde 1998 Sexo, idade, unidade geográfica, nível de escolaridade
Pesquisa da saúde do escolar/amostra representativa Capitais (escolares com idade de 10-15 anos matriculados em escolas das redes pública e particular) Instituto nacional de estatística e universidades Pontual 2016 Sexo, idade, unidade geográfica, categoria de escola, grupo étnico, nível socioeconômico
Sistema de vigilância de acidentes e violência/amostra não representativa Unidades-sentinela selecionadas (vítimas de acidentes e violência atendidas em serviços selecionados da rede pública) Ministério da Saúde Periódica (sem intervalos definidos) 2010, 2015 e 2017 Sexo, orientação sexual, idade, local de ocorrência, perfil do agressor, nível de escolaridade

LINKS DE INTERESSE

REFERÊNCIAS

1. Laurenti R, Mello Jorge MHP, Lebrão ML, Gotlieb S. Estatísticas de Saúde 2a. edição. Capítulo 4. Registro dos eventos vitais. E.P.U. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda; 2005.

2. Organização Pan-Americana da Saúde. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Décima revisão. Edição de 2015. 3 v. Washington DC: OMS/OPAS; 2016.

3. Organização Mundial da Saúde (OMS). Health Metric Network. Framework standards for country health information systems. 2a. ed. Genebra: OMS; 2007.

4. Organização Mundial da Saúde (OMS). Handbook on Health Inequality Monitoring with a special focus on low- and middle-income countries with a special focus on low- and middle-income countries. Genebra: OMS; 2013. Disponível em inglês em: https://www.paho.org/hq/index.php?option=com_content&view=article&id=12571:manual-monitoreodesigualdadessalud-paises-ingresos-medianos-bajos&catid=8896:publications&Itemid=42134&lang=en [consultado em 25 de abril de 2017].

5. Organização Mundial da Saúde. Mortality statistics: a tool to improve understanding and quality. Genebra: OMS; 2013. Disponível em inglês em: https://pdfs.semanticscholar.org/2a8a/fbfe615b248ec8af5e5201dbe909fc8ff0f5.pdf [consultado em 7 de junho de 2017].

6. Organização Mundial da Saúde (OMS). Global status report on noncomunicable diseases 2010. Disponível em inglês em: https://www.who.int/nmh/publications/ncd_report_full_en.pdf

7. Organização Mundial da Saúde (OMS). Improving the quality and use of birth, death and cause-of-death information: guidance for a standards-based review of country practices. Genebra: OMS; 2010. Disponível em inglês em: https://www.who.int/healthinfo/tool_cod_2010.pdf [consultado em 7 de junho de 2017].

8. McQueen D; Puska P. Global Behavioral Risk Factor Surveillance. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers; 2003.

9. Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Principles of Epidemiology in Public Health Practice, 3a. edição; 2006. Disponível em inglês em: http://www.cdc.gov/osels/scientific_edu/SS1978/Lesson5/index.html

10. Divisão de Estatística das Nações Unidas. Household Sample Surveys in Developing and Transition Countries, 2005. Disponível em inglês em: https://unstats.un.org/unsd/hhsurveys/

11. Organização Mundial da Saúde. Health facility and community data toolkit. Disponível em inglês em: https://www.who.int/healthinfo/facility_information_systems/Facility_Community_Data_Toolkit_final.pdf [consultado em 27 de junho de 2017].

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