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INDICADORES ESTIMADOS POR MÉTODOS INDIRETOS: CONCEITOS BÁSICOS, USOS E LIMITAÇÕES

Conteúdo

Estimativa dos indicadores de saúde mais usados em saúde pública.

Objetivo

Conhecer as estimativas mais comuns dos indicadores de saúde, seus usos e limitações.

AO FIM DESTE CAPÍTULO, O LEITOR SABERÁ DEFINIR:

  • o que significa estimar um indicador
  • as principais razões para usar estimativas.

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5.1 MÉTODOS PARA ESTIMAR UM INDICADOR

Uma estimativa é um valor aproximado calculado a partir de evidências ou dados incompletos disponíveis. Em estatística e demografia, estimar significa determinar ou calcular o valor com certa margem de imprecisão, quando não se conhece o todo.

Quase todos os cálculos dos indicadores de saúde são baseados em estimativas, independentemente de os dados terem sido coletados por técnicas de mensuração direta ou indireta, pois em ambos os casos existe uma margem de erro. Nas mensurações diretas, a inexatidão pode provir de erros aleatórios, inerente aos processos amostrais, ou erros sistemáticos devido aos procedimentos de seleção da população, coleta dos dados e análise subsequente. Nas estimativas feitas a partir de técnicas de mensuração indireta com o uso de modelos matemáticos ou estatísticos, a inexatidão também pode se originar de erros inerentes ao método devido aos pressupostos e limitações do modelo. Nestes modelos, os pressupostos costumam ser difíceis de avaliar, sobretudo em populações pequenas, com dados e informações insuficientes, sobretudo na falta de séries históricas suficientemente longas e confiáveis.

Neste capítulo, o termo estimativa será usado neste capítulo no sentido de estimativa por métodos indiretos baseados em modelos matemáticos e estatísticos ou outra técnica demográfica para ajustar ou corrigir dados diretos. As estimativas de indicadores por métodos indiretos contrastam com o cálculo direto de indicadores, que se baseia exclusivamente em dados e informação obtidos de fontes de informação primárias ou secundárias.


5.2 USOS E LIMITAÇÕES DAS ESTIMATIVAS DE INDICADORES

Nas últimas décadas, os sistemas de informação e outras fontes de dados de saúde foram bastante aprimorados na maioria dos países. Ainda assim, devido a lacunas nos dados e problemas nas mensurações, é preciso fazer estimativas de indicadores de saúde com diferentes métodos matemáticos e estatísticos. Algumas situações comuns justificam o uso de estimativas dos indicadores da saúde das populações:

  • Ausência total de sistemas de informação e outras de fontes de dados para calcular indicadores básicos de eventos vitais e outra informação de saúde essencial para a gestão de saúde.
  • Ausência de dados populacionais ou ausência de contagem populacional nos períodos intercensitários ou em anos posteriores ao último censo (apesar de censos periódicos).
  • Lacunas de dados de saúde por problemas de validade e cobertura em alguns pontos no tempo ou áreas geográficas por capacidade técnica limitada, mudança na priorização política ou falta sustentabilidade financeira dos sistemas de informação em saúde.
  • Existência de dados e indicadores de saúde adequados, porém que são obtidos de estudos com amostras probabilísticas (observação de parte de um todo) que requerem a inclusão de variação amostral por processos de estimativa (inferência estatística).
  • Necessidade de indicadores de interesse para os organismos internacionais para fins de comparação e monitoramento dos países, bem como a produção de estimativas para as principais regiões do mundo, que englobam países muito heterogêneos em termos de qualidade e cobertura da informação em saúde (1).

É preciso ter cautela ao realizar estimativas por métodos indiretos para um determinado país a fim de facilitar que os indicadores globais calculados pelos organismos internacionais sejam compatíveis ao nível transnacional. Este é um assunto que suscita amplo debate (1, 2).

É consenso que os dados diretos devem ser, sempre que possível, valorizados e avaliados de forma contínua. O uso habitual de dados diretos gera oportunidades para a melhoria das fontes de dados. O uso indiscriminado de indicadores estimados pode comprometer a autenticidade dos dados e a informação que se originam diretamente dos sistemas nacionais de informação em saúde. Uma consequência seria a designação de recursos para melhorar os sistemas de informação em saúde, sobretudo nos países cujos recursos para a saúde são escassos.

Vários métodos de estimativa indireta (de dados demográficos ou outros) não escapam à inexatidão. Os métodos têm exatidão limitada em certas circunstâncias, como quando os dados nacionais estão incompletos ou raramente estão disponíveis. Contudo, é exatamente nestas situações que se faz necessário o cálculo de estimativas de indicadores de saúde. Para contornar problema de falta de disponibilidade de dados, às vezes são usados dados imputados a fim de gerar os dados necessários para fazer estimativas indiretas. A limitação inerente a esta imputação, como a baixa representatividade da diversidade de um país, a presença de erro aleatório não conhecido e a possível existência de erros sistemáticos relevantes, são subestimados (2). Esses erros podem comprometer sobremaneira a exatidão das estimativas indiretas, sem necessariamente superar a limitação da qualidade dos dados diretos. Outro ponto importante é a limitação da maioria das técnicas indiretas de captar corretamente mudanças significativas nos indicadores que estão sendo calculados. Um exemplo é a queda brusca da taxa de fecundidade no Brasil e a limitação das técnicas de projeção populacional usadas pelo governo para explicar de maneira adequada tal fenômeno nas estimativas de nascidos vivos, para citar um exemplo.

Por fim, cabe destacar a complexidade cada vez maior dos processos de estimativa indireta nos últimos anos e, assim, a redução da capacidade de comunicação e de reprodutibilidade dos resultados. Neste sentido, The Guidelines for Accurate and Transparent Health Estimates Reporting (GATHER) (3) representam uma iniciativa louvável para formular diretrizes.

Estas diretrizes devem ser consideradas uma opção para solucionar a falta de dados de saúde confiáveis em determinados contextos. Entretanto, deve se ter em mente suas limitações e consequências para o registro adequado e transparente dos dados.

Porém, é preciso ter sempre em mente as limitações e consequências destas diretrizes para a notificação precisa e transparente dos indicadores de saúde (4).

Parcerias ao nível global, nacional e local devem ser estimuladas para fortalecer os sistemas nacionais de informação em saúde e criar capacidade local para produção, análise e uso de dados e indicadores de saúde. Vale reconhecer o empenho dos organismos internacionais (OMS e outros organismos das Nações Unidas), instituições científicas e governos no sentido de apoiar a melhoria dos sistemas de informação em saúde e da capacidade analítica.

Dispor de indicadores de saúde globais, nacionais e subnacionais (independentemente de sua origem) que sejam válidos é imprescindível, pois estes indicadores servem para definir as prioridades para investimento relacionadas à saúde, facilitar a avaliação do progresso e eficácia das intervenções e ajudar a definir de forma estratégica a cooperação internacional. Por essa razão, para contemplar a necessidade de indicadores de saúde fidedignos, não se pode deixar de usar as melhores evidências disponíveis em um dado momento, mesmo que se reconheça certo grau de inexatidão. Destacam-se algumas destas situações a seguir:

  • se a qualidade dos dados não for minimamente adequada ou não se dispuser de informação ao nível do país;
  • para comprovar a confiabilidade de eventos de interesse como a subnotificação da mortalidade, sobretudo a mortalidade infantil e a mortalidade materna;
  • ao nível global ou regional, por necessidade de usar informação padrão para calcular indicadores; as diferenças quanto à qualidade dos dados e da informação e protocolos adotados pelos sistemas de saúde no que se refere à representatividade populacional, definição de casos, coleta e análise de dados, em diferentes lugares (países) e momentos no tempo podem comprometer sobremaneira a comparabilidade dos indicadores entre países e regiões.

As principais fontes de estimativas estatísticas são: para estimativas demográficas, a Divisão de População das Nações Unidas, Divisão do Censo dos Estados Unidos; para indicadores socioeconômicos e mortalidade materna, o Banco Mundial; para números de óbitos, tabelas de mortalidade e taxas de mortalidade materna, a OMS; para números de óbitos e tabelas de mortalidade, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Centro Latino-americano e Caribenho de Demografia (CELADE); e as instituições acadêmicas que usam uma ampla variedade de estimativas.

A OPAS, como organismo internacional, usa estimativas demográficas oriundas da Divisão de População das Nações Unidas mais que os censos nacionais dos Estados Membros. Este enfoque possibilita compara dados sobre mortalidade materno-infantil provenientes do Grupo Interagencial para a Estimativa de Mortalidade Infantil das Nações Unidas (IGME, em inglês). Este grupo foi formado em 2004 com o intuito de conformar as estimativas no sistema das Nações Unidas, melhorar os métodos de estimativa da mortalidade infantil, informar sobre o progresso para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento de Milênio (ODM), agora dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), e melhorar a capacidade dos países de elaborar cálculos sobre a mortalidade infantil oportunos que sejam avaliados adequadamente. O IGME é liderado pelo UNICEF e a OMS e compreende também o Banco Mundial e a Divisão de População das Nações Unidas (dentro do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais).


5.3 ESTIMATIVA DOS INDICADORES DE MORTALIDADE MATERNA E MORTALIDADE INFANTIL

Diante da demanda por uma referência para medir o progresso no alcance do ODM 5, atualmente ODS 3, e diante da falta de dados confiáveis sobre as tendências mundiais da mortalidade materna, foi necessário realizar estimativas do número de óbitos maternos bem como da razão da mortalidade materna.

Vários países demonstram atualmente avanços significativos na classificação e no registro dos óbitos maternos e dos nascidos vivos, contando com dados confiáveis embora possam ser melhorados. Porém, mensurar a mortalidade continua sendo um grande desafio. Em 2013, segundo dados oficiais notificados pelos Estados Membros à OPAS, o número absoluto de óbitos maternos na América Latina e Caribe ficou em torno de 6.000 por ano. É provável que o número real seja maior, já que alguns países cujos números absolutos de óbitos maternos são de relativa importância não notificaram dados (Bolívia, Guiana, Haiti e Trinidad e Tobago).

No mesmo período, o Grupo Interagencial para a Estimativa de Mortalidade Materna (MMEIG, em inglês), integrado pela OMS, UNICEF, UNFPA e Banco Mundial, estimou um número aproximado de 9.300 óbitos, enquanto que o Instituto de Métrica e Avaliação de Saúde (IHME, em inglês) informou uma estimativa de 7.600 óbitos maternos. Estas três estimativas diferentes geram bastante incerteza nos países que notificam dados. Embora os grupos usem métodos com algumas semelhanças para estimar as tendências de mor talidade materna, convém explicar as causas para as diferenças.

Dada a importância desses indicadores, este compêndio expõe dois métodos para medir a exatidão da razão de mortalidade materna e da razão de mortalidade infantil calculadas a partir de fontes ao nível de país.

5.3.1 MÉTODO USADO PELO GRUPO INTERAGENCIAL PARA A ESTIMATIVA DE MORTALIDADE MATERNA (MMEIG)

O MMEIG divide os países em três grupos (A, B e C), porém os países da Região das Américas se enquadram apenas nos dois primeiros grupos. O Grupo A é composto por países com bons dados do registro de estatísticas vitais. Com o método do MMEIG, o número de mortes maternas notificadas por país é multiplicado por um fator de correção de 1,5 para corrigir erros de classificação, exceto se o país fizer a correção das próprias informações com dados nacionais de estudo publicado sobre a proporção de casos subnotificados e mal classificados. O fator de correção de 1,5 foi extraído em dois estudos conduzidos por Lewis London, The Confidential Enquiry into Maternal and Child Health (2004 e 2007).

Os países do Grupo B não têm dados completos dos registros de estatísticas vitais, mas usam outras fontes de dados. Nestes países, o MMEIG estima a razão de mortalidade materna de acordo com um modelo que avalia a exposição ao risco de acordo com três preditores:

  • o produto interno bruto per capita,
  • a proporção de partos atendidos por pessoal qualificado e
  • a taxa de fecundidade geral (nascidos vivos de mulheres com idade entre 15 e 49 anos).

A proporção obtida é usada para estimar o número total de mortes de mulheres em idade reprodutiva, que em seguida é dividido pelo número total de nascimentos para estimar a razão de mortalidade materna. Estes dois dados provêm da Divisão de Estatísticas das Nações Unidas.

5.3.2 MÉTODO USADO PELO INSTITUTO DE MÉTRICA E AVALIAÇÃO DE SAÚDE (IHME)

O modelo do IHME não leva em consideração as diferenças na qualidade da informação dos países e, portanto, se aplica a todos os países sem distinção. Os preditores usados são:

  • o produto interno bruto per capita,
  • o nível de escolaridade materno desagregado por idade,
  • a taxa de mortalidade neonatal,
  • a taxa total de fecundidade,
  • a taxa de prevalência de HIV/aids (existe aqui uma diferença em relação ao modelo do MMEIG que não considera esta variável, é feita uma estimativa da mortalidade por esta causa e a estimativa é corrigida).

O IHME corrige os problemas de subcontagem e baixa qualidade dos registros multiplicando por um fator de correção de 1,4.

5.3.3 ESTIMATIVAS DE MORTALIDADE INFANTIL NA REGIÃO DAS AMÉRICAS

A avaliação do progresso no alcance do ODM 4 se baseia na análise da mortalidade de crianças menores de 5 anos. Contudo, levando em conta diferenças em termos do risco de mortalidade e da estrutura de mortalidade por causas presentes nos primeiros anos de vida, é essencial fazer uma análise que possibilite estas desagregações para analisar o impacto de intervenções específicas e planejar ações futuras.

A informação disponível advém de fontes e métodos cujas diferenças devem ser consideradas ao interpretar os dados. A OPAS reúne e apresenta os dados de mortalidade de acordo com o informado pelos países. O número de nascimentos ao ano obtido das estimativas da Divisão de População da ONU e da Divisão de Censo dos Estados Unidos. A partir destas fontes são estimadas a taxa de mortalidade de menores de 1 ano (mortalidade infantil) e a taxa de mortalidade de menores de 5 anos (mortalidade na infância).

Ao nível global, existem estimativas realizadas pelo IGME e IHME. Os enfoques metodológicos destes grupos diferem quanto aos dados básicos e seu processamento e procedimentos de ajuste final. As discrepâncias mais importantes nos resultados decorrem basicamente de variações na mortalidade nos países, correções ou ajustes e modelos utilizados nas estimativas para contornar problemas de cobertura nas estatísticas vitais.

À semelhança de outras fontes de dados, o valor das estatísticas de mortalidade, assim como a exatidão dos dados, depende sobretudo da qualidade, que está basicamente associada ao grau de cobertura.

Na avaliação intermediária do Plano Regional de Saúde do Recém-nascido, analisaram-se a cobertura e a precisão da informação de óbitos neonatais oriunda dos sistemas de estatísticas vitais. Esta avaliação foi realizada com informação das bases de dados disponíveis à equipe de Informação e Análise em Saúde da OPAS. As bases de dados englobavam informação sobre óbitos neonatais, pós-neonatais e em menores de cinco anos de 47 países da Região, de 1995 a 2010. Estas bases de dados geraram indicadores de mortalidade neonatal, pós-neonatal e em menores de 5 anos, que foram comparados com estimativas diretas obtidas de Pesquisas de Demografia e Saúde/Pesquisas de Saúde Reprodutiva (DHS/RHS) e do Sistema de Informação Estatística da OMS (WHOSIS) e com estimativas indiretas realizadas pelo IGME, IHME e UNICEF (Pesquisas de Grupos de Indicadores Múltiplos - MICS, em inglês).

As bases de dados da OPAS também foram usadas para obter a distribuição dos óbitos neonatais, pósneonatais e em menores de cinco anos por causa de morte. Neste caso, as estimativas diretas foram complementadas com medidas realizadas pelo Grupo de Referência em Epidemiologia da Saúde da Criança (CHERG, em inglês).

A partir de duas análises realizadas, observou-se um bom nível de cobertura do número total de óbitos em 21 países, nível satisfatório em 6 e nível regular a deficiente em 12. O nível médio de cobertura de óbitos é elevado (mediana de 94%). Quanto à consistência das estimativas, verificam-se resultados comparáveis aos divulgados pela Divisão de Estatística das Nações Unidas para os anos próximos aos analisados, em relação ao número total (mediana de 93,5%) e na maioria dos países analisados separadamente.

Observa-se uma relação inversa entre a porcentagem de cobertura de óbitos e a variação relativa entre as taxas obtidas com métodos diretos e indiretos (quanto mais alta a cobertura, menor a variação). Quanto à mortalidade pós-natal e em menores de cinco anos, as correlações entre a porcentagem de cobertura e a diferença relativa entre as taxas obtidas por método direto e indireto foram mais importantes quando as taxas eram calculadas pelo IHME. Quanto à mortalidade neonatal, a correlação foi maior na relação entre porcentagem de cobertura e diferença relativa entre as taxas diretas e as calculadas pelo IGME.

Verifica-se nos países da Região um nível de precisão aceitável na declaração da causa de morte, com uma frequência de causas mal definidas menor de 10%.

Em virtude disso, embora seja preciso melhorar a qualidade da informação de mortalidade na Região, os níveis de cobertura e de precisão são adequados em geral. Se estas mensurações são menores, a informação disponível a partir de dados diretos torna-se uma fonte de informação mais adequada que as fontes indiretas.


REFERÊNCIAS

1. Boerma T, Mathers CD. The World Health Organization and global health estimates: improving collaboration and capacity. BioMed Central - Medicine. 2015. DOI 10.1186/s12916-015-0286-7 https://bmcmedicine.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12916-015-0286-7

2. Frias PG, Szwarcwald CL, Pis L. Estimação da mortalidade infantil no contexto de descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS). Rev. Bras. Saúde Matern. Infant. 2011;11(4): 463-70.

3. Stevens, GA, et al. Guidelines for Accurate and Transparent Health Estimates Reporting (GATHER) PLoS Medicine, June 28, 2016 2016. Disponível em inglês em: http://journals.plos.org/plosmedicine/article/file?id=10.1371/journal.pmed.1002056&-type=printable [consultado em 09 de agosto de 2017].

4. Unite for Sight. Global Health Estimates. Disponível em inglês em: http://www.uniteforsight.org/public-health-management/global-health-estimates [consultado em 05 de setembro de 2016].

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