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    OPAS/OMS/Karina Zambrana
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Brasil: Policlínicas Regionais de Saúde são modelo de descentralização da assistência especializada de média complexidade na Bahia

O modelo de cuidado regional para atenção especializada de média complexidade adotado pelo estado da Bahia, no Brasil, por meio das Policlínicas de Saúde, tem apresentado bons resultados e se destacado como uma boa prática de cuidado integral do Sistema Único de Saúde (SUS). Para conhecer mais sobre esse modelo, um grupo internacional formado por gestores, pesquisadores e representantes da sociedade civil de 12 países visitou as instalações da Policlínica de Narandiba, no dia 30 de maio, em Salvador, capital do estado.

A visita técnica ocorreu após o encerramento do seminário internacional “Governança e redes integradas de atenção à saúde em países federativos e descentralizados: experiências, trajetórias e lições para as políticas de saúde”, realizado de 27 a 30 de maio. Os participantes também conheceram o Hospital de Cuidados Paliativos de Salvador.

Para Ernesto Bascolo, chefe da Unidade de Atenção Primária à Saúde e Serviços Integrados de Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a experiência foi marcante. “Pudemos compartilhar experiências sobre regionalização e sobre a configuração de redes de assistência. Estas visitas complementam uma discussão que tivemos em termos teóricos sobre a conformação de redes de serviços de saúde. Pudemos aprender muito com experiências concretas da Bahia”, afirmou.

Atualmente, o estado da Bahia conta com 25 Policlínicas Regionais de Saúde em funcionamento, distribuídas de forma estratégica em Salvador e no interior. As unidades compartilham a mesma planta física e oferecem um conjunto padronizado de serviços, incluindo consultas especializadas, como ginecológicas, exames de imagem (ressonância, tomografia, colonoscopia), ultrassonografias e outros procedimentos de média complexidade.

O acesso do paciente em casos de consultas ginecológicas pode ocorrer diretamente pela policlínica, inclusive como primeiro ponto de contato, e para outras consultas por encaminhamentos da atenção básica. Na Policlínica de Narandiba, assim como nas demais, o cuidado começa no acolhimento e se estende por um fluxo integrado, com equipes multidisciplinares. “Essa unidade representa um modelo de cuidado que prioriza o acesso, a equidade e a dignidade das pessoas. É uma oportunidade de apresentar o trabalho das nossas equipes, que se dedicam diariamente a oferecer um atendimento humanizado e de excelência”, afirmou Lizandra Amim, diretora-geral da Fundação Estatal Saúde da Família (FESF-SUS), responsável pela gestão da Policlínica de Narandiba.

A proposta é que os pacientes sejam atendidos nas policlínicas, recebam o diagnóstico e, quando possível, retornem ao cuidado continuado nas unidades básicas de saúde. Isso permite desafogar os hospitais e qualificar o fluxo da rede com a continuidade da atenção. Em áreas como oncologia e atenção à gestação, o estado estruturou linhas de cuidado que descentralizam o atendimento e organizam os fluxos a partir das policlínicas.

“A visita foi de fundamental importância para que a comitiva internacional conhecesse, na prática, como o atendimento oferecido pelas Policlínicas concretiza o cuidado integrado. Esse modelo tem resultado na efetiva redução das filas para exames especializados. Além disso, o modelo de gestão inter federativa é uma referência para o Brasil e para a Região das Américas”, destacou Júlio Pedroza, coordenador de Sistemas e Serviços de Saúde do escritório da OPAS e da Organização Mundial da Saúde (OMS) no Brasil.

Gestão interfederativa

O modelo de gestão é compartilhado entre municípios, Estado e União. A constituição das policlínicas envolve a divisão das regiões de saúde e a pactuação entre os entes federados: um conjunto de prefeitos se reúne com o governo estadual e assina um protocolo de intenções. O custeio das operações é dividido, sendo 50% arcado pelo Estado e os outros 50% pelos municípios consorciados.

Outro componente essencial da rede é o transporte sanitário. O acesso às policlínicas é viabilizado por uma frota estruturada que realiza o deslocamento dos pacientes, principalmente das zonas rurais e áreas remotas, até o ponto de atendimento. São, atualmente, 270 ônibus e 70 vans em operação, assegurando que a distância não seja um obstáculo para o cuidado especializado.

“Na policlínica [de Narandiba], além do modelo de gestão de Salvador, que é coordenado pelo Estado, pudemos conversar sobre a gestão das 24 policlínicas instaladas no interior, feita de forma consorciada entre municípios e Estado”, destacou Roberta Sampaio, integrante da coordenação executiva da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) durante a visita.

Avaliação

“Venho dos Estados Unidos, que é um país que não tem cobertura universal. Então, mesmo onde temos algumas unidades de atenção primária com modelo de ‘medical home’, que centralizam uma variedade de serviços, elas são muito limitadas a um pequeno número de sistemas hospitalares. Elas não são oferecidas à população da mesma forma como são aqui [na policlínica]. Então, a escala do que está acontecendo aqui é muito maior”, destacou Philip Rocco, Professor Associado de Ciência Política da Marquette University, nos Estados Unidos, e editor da revista Publius: The Journal of Federalism.

“[A visita] me deu uma ideia muito mais clara de como o sistema é organizado. Entender como os centros de saúde se articulam com a policlínica e como a policlínica se articula com os hospitais. Para mim, isso foi fundamental. Eu tinha pouquíssima noção disso antes, então a visita foi extremamente importante para preencher essas lacunas”, destacou o diretor do Observatório Norte-Americano sobre Sistemas e Políticas de Saúde, da Universidade de Toronto, no Canadá, Gregory Marchildon.

“Se [a policlínica] existisse no Peru, seria de grande ajuda para os hospitais, porque uma boa parte da carga hospitalar se deve a procedimentos, exames e consultas especializadas. Permite garantir a continuidade do cuidado aos pacientes, com diagnóstico e tratamento mais oportunos e eficazes. E eu sei que isso ajudaria muito”, destacou o diretor Geral da Direção de Redes Integradas de Saúde do Peru, Pedro Alejandro Cruzado Puente.

Hospital Mont Serrat: cuidados paliativos

A programação de visitas técnicas também incluiu o Hospital Mont Serrat de Cuidados Paliativos, localizado em Salvador. Inaugurado em janeiro de 2025, o hospital soma mais de 500 admissões. Com 70 leitos, sendo sete pediátricos, a unidade foi apresentada à comitiva internacional como exemplo de um modelo de cuidado centrado na dignidade e no conforto de pessoas com doenças ameaçadoras da vida.

“A visita ao Hospital de Cuidados Paliativos projeta um tipo de equipamento público que certamente abre uma reflexão importante sobre ampliar esse tipo de oferta, dado que no ritmo que nós vamos, de envelhecimento da população, da carga de doenças crônicas decorrentes, nós precisamos de instituições com essa capacidade”, destacou Armando De Negri, representante interino da OPAS e da OMS na Venezuela.

Seminário internacional

O seminário internacional reuniu pesquisadores, gestores e representantes da sociedade civil entre os dias 27 e 30 de maio, em Salvador. O encontro foi promovido pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), com apoio da Sesab, da OPAS e do Ministério da Saúde do Brasil.

“Reunir diferentes atores, trajetórias e experiências é um passo importante para fortalecer sistemas de saúde mais equitativos, resolutivos e sustentáveis. É essencial avançarmos na avaliação sistemática das redes, com foco no acesso, na continuidade do cuidado, nos resultados em saúde e, sobretudo, na experiência dos usuários”, destacou o representante da OPAS e da OMS no Brasil, Cristian Morales.

As discussões abordaram experiências de países da Europa e das Américas no desenvolvimento da governança regional e das redes integradas de serviços de saúde. Para o diretor do ISC/UFBA, Luiz Eugênio Portela Fernandes de Souza, experiências da Colômbia e da Bolívia chamaram bastante atenção. “São experiências ainda iniciais, mas bastante ricas, que lembram um pouco o SUS alguns anos atrás, quando começou a ser implantado”, destacou.

O diretor também comparou modelos e políticas dos diferentes países presentes no Seminário. “Eles têm experiências que mostram que, às vezes, certos aspectos, políticas ou programas, funcionam melhor de uma forma centralizada, enquanto outros precisam e funcionam melhor de forma descentralizada. Então, não há uma receita única. Centralização e descentralização, ou regionalização e centralização, precisam encontrar um equilíbrio adequado”.