• Família Kiriri da aldeia Araças
    Fotos: OPAS/OMS/Karina Zambrana
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Mãe-terra coberta: território preservado é garantia de saúde para o povo Kiriri

Saúde e território sob o olhar do cacique Manoel Kiriri e do jovem líder João Kiriri

Banzaê (BA), 6 de maio de 2025 – No território do povo Kiriri, no sertão da Bahia, a saúde caminha sobre a terra coberta, vestida de verde, alimentada pela ancestralidade e fortalecida pela luta. Na manhã que antecedeu a cerimônia de lançamento do Mês de Vacinação dos Povos Indígenas, em 25 de abril, integrantes da equipe da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) no Brasil conversaram com duas lideranças Kiriri. Dessas escutas, emergiram reflexões sobre saúde, território e bem viver, descritas a seguir.

Para o cacique Manoel Kiriri, liderança da aldeia Araçás, o bem-estar do povo está diretamente ligado à relação com a terra e a maneira de viver, plantar, cuidar e curar. “Aqui, a saúde está perto de nós, não só dos povos indígenas, mas também de toda a humanidade”, afirma.

O território Kiriri foi cenário de anos de luta até sua demarcação e homologação, em 1997. “Não foi fácil. Foi uma luta sim, de muita resistência, mas hoje, depois da reconquista do território, a gente está avançando, na saúde, na educação, na produção de alimentos”, relata o cacique complementando:

“Esse território aqui era chamado de mãe nua. E aí quando a gente reconquistou o território, olha a beleza que está, então [agora] é mãe-terra vestida”.

Ao afirmar que a “mãe-terra está vestida”, o cacique Manoel se refere ao reflorestamento que devolveu vegetação à área anteriormente desmatada.

A fala do jovem líder indígena e trabalhador do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Bahia João Kiriri amplia essa visão ao destacar que a saúde, para sua comunidade, não começa na porta do posto, mas no contato com a terra, na água limpa, na alimentação livre de veneno e na organização comunitária.

Ele destaca que a saúde humana, para os Kiriri, está conectada à saúde da terra. As abelhas, por exemplo, têm dado sinais dos efeitos nocivos do uso de agrotóxicos em propriedades vizinhas.

“E aí a gente esteve observando, nessa questão mais detalhada, um exemplo de luta e resistência na questão das abelhas. As abelhas, querendo ou não, passam a informação clara para a gente. Os apicultores viram as abelhas caindo e morrendo. Isso é justamente do agrotóxico”, diz João que também complementa:

“Elas [as abelhas] são as principais polinizadoras para estar deixando a nossa flora em pé. Então a gente tem que ter esse cuidado”.

Hoje, o povo Kiriri da região de Banzaê cultiva alimentos sem agrotóxicos, resgata sementes crioulas (não transgênicas), pratica apicultura e desenvolve artesanato com matérias-primas naturais. A produção local inclui banana, coentro, mandioca e outras culturas tradicionais. Essa integração entre território, cultura e saúde dialoga com a abordagem de Uma Só Saúde, que reconhece a interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental. Para os Kiriri, isso não é novidade, é prática ancestral.

“Quando a gente está ali produzindo a nossa agricultura sem agrotóxico, a gente está trazendo a saúde, alimentos saudáveis. Só que isso a gente enfrenta um rolo compressor, porque os grandes latifundiários só pensam na riqueza, no aumento de dinheiro. E aí a gente enfrenta toda essa dificuldade”, reforça o cacique Manuel Kiriri reforçando a fala de João Kiriri de que, entre os desafios de saúde enfrentados pelo seu povo, um dos principais é a alimentação saudável.

“Hoje você se alimenta da galinha de granja que é produzida em 45 dias, antes a gente se alimentava da nossa criada no terreiro com 6 meses de idade. Então, você ingere produtos que vem das fábricas, com agrotóxico”, lamenta.

Apesar dos desafios, Manoel Kiriri segue cuidando dos mais jovens, valorizando os mais velhos e reafirmando a autonomia e a dignidade do seu povo:

“Nós temos a nossa forma própria de convivência. A gente extrai da natureza, onde a gente tem os colares, que são feitos de semente, de ossos de animais, de palha, de pena. Então a gente aproveita a natureza que fornece esses recursos. Nós não somos preguiçosos, essa é a nossa forma de vida”.

Saúde dos povos indígenas: pauta prioritária da OPAS e da OMS

A saúde dos povos indígenas está entre as pautas prioritária da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2017, os Estados Membros da OPAS aprovaram de forma unânime uma política sobre etnicidade e saúde, orientada por diretrizes que dialogam diretamente com as práticas e os saberes dos povos originários.

Dois anos depois, esse compromisso foi fortalecido com a aprovação da Estratégia e Plano de Ação sobre Etnicidade e Saúde. A estratégia estabelece metas e indicadores que buscam orientar os países no enfrentamento das iniquidades em saúde vividas por povos indígenas, afrodescendentes e outros grupos étnicos da região.

Em maio de 2023, durante a 76ª Assembleia Mundial da Saúde, a OMS aprovou uma resolução que reconhece a saúde dos povos indígenas como uma prioridade global. O documento inclui a saúde dos povos indígenas como uma agenda prioritária, no sentido de avançar em sistemas que promovam ações específicas para essas populações, respeitando seus direitos, culturas e valores e visando reduzir as inequidades e desigualdades.