Editorial: a importância de abordar a masculinidade e a saúde dos homens para avançar rumo à saúde universal e à igualdade de gênero

Gender

25 de fevereiro de 2019 - A saúde dos homens está ganhando um maior destaque como questão que merece especial atenção à medida que surgem mais evidências sobre tendências epidemiológicas diferenciadas entre homens e mulheres (1), particularmente no que diz respeito à mortalidade prematura de homens por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e sua morbidade, vinculada a comportamentos inadequados em relação à procura de atendimento médico, saúde mental e violência, incluindo homicídios e lesões. 

Em quase todos os países do mundo, os homens têm maior probabilidade que as mulheres de morrerem antes dos 70 anos (2-4) e dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) (5) indicam que aproximadamente 52% das mortes por DCNT acontecem entre homens. Ao longo do curso de vida, a mortalidade é maior entre homens do que entre mulheres e, em geral, a expectativa de vida para os homens é menor em todo o mundo. Em comparação com as mulheres, os homens têm uma taxa de mortalidade por causas externas quatro vezes maior e um risco sete vezes maior de serem vítimas de homicídios. A probabilidade de morrer por cardiopatias isquêmicas é 75% maior entre os homens do que entre as mulheres. Além disso, 36% das mortes entre homens são evitáveis – em comparação com 19% das mortes entre mulheres.

Dietas e estilos de vida pouco saudáveis, consumo de tabaco e consumo nocivo de álcool são os principais fatores de risco para DCNT (5) e a subutilização de serviços de atenção primária por homens constitui um problema em muitos países do mundo. As razões pelas quais esses fatores de risco afetam desproporcionalmente os homens estão frequentemente relacionadas às formas em que a sociedade nos educa para que compreendamos nossa identidade e nossas funções como homens e mulheres em relação às responsabilidades familiares, vida profissional, atividades recreativas ou necessidade de acessar os serviços de saúde (6). Em outras palavras, os comportamentos de risco dos homens e sua subutilização dos serviços de saúde estão fortemente ligados às diferenças de gênero e às normas predominantes de masculinidade, ou seja, o que significa ser “homem”.

Ao longo da vida, a forma com que os homens aprendem a ver a si mesmos e a projetar sua imagem é muitas vezes um componente inseparável das causas que explicam a morte prematura atribuível ao estresse e aos hábitos pouco saudáveis, como a direção imprudente, consumo de álcool, abuso de drogas, comportamento sexual de risco e esportes e atividades recreativas de alto risco (7). Essas normas de gênero variam de acordo com o contexto social e cultural, no entanto, muitas vezes se assemelham entre diferentes países no comportamento em relação à saúde (8). As inequidades socioeconômicas também influenciam na forma em que essas normas afetam a saúde, já que as crenças e expectativas acerca do comportamento dos homens – que os homens devem ser os únicos a sustentarem a família, por exemplo – podem se converter em fatores de risco quando se veem exacerbadas pela falta de oportunidades econômicas e pela marginalização social e, portanto, pode contribuir para um comportamento pouco saudável entre os homens e taxas de morbidade por doenças evitáveis, em particular o suicídio (9).

Até o momento, são poucas as pesquisas sistemáticas que examinam a relação entre a masculinidade e a saúde dos homens (10). Ainda que alguns estudos tenham enfoque nas perigosas influências do comportamento masculino, muitos têm sido criticados porque parecem assumir que mulheres e homens têm características psicológicas inatas e necessidades que regem seu comportamento. Em várias análises de saúde com uma perspectiva de gênero, examinaram-se as formas em que as construções sociais da identidade de gênero afetam a saúde. No entanto, esses estudos tendem a se centrar nos efeitos negativos das desigualdades de gênero e das “masculinidades tóxicas” sobre as mulheres e sua saúde (12), assim como na necessidade de empoderar as mulheres para garantir seu direito à saúde. Muito menos atenção tem sido dada ao nexo entre a natureza de gênero das identidades dos homens e certos aspectos de sua saúde precária.

Pesquisas e práticas no campo da saúde que levem mais em conta as diferenças de gênero, juntamente com abordagens integradas, são urgentemente necessárias para melhor compreender a relação entre masculinidades e os diferentes aspectos da saúde do homem (13). Uma melhor base de conhecimentos poderia ajudar os formuladores de políticas e os profissionais de saúde a abordarem algumas das crenças e comportamentos relacionados à saúde e trabalharem com os homens para melhorar sua saúde, a fim de acelerar o progresso em direção à saúde universal. Promover uma compreensão mais diversificada do que significa ser homem e estudar como essas crenças influenciam a saúde também pode abordar a relação muitas vezes negativa entre a masculinidade e outros fatores estruturais da saúde – como a etnicidade, orientação sexual, idade e renda. É evidente que esse tipo de esforço redunda em benefícios para a saúde e bem-estar dos homens, mas também contribui para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, já que combater as “masculinidades tóxicas” possivelmente levará a uma redução nas diversas formas de violência, infecções sexualmente transmissíveis (IST), gestações não planejadas, ausência do pai e renúncia no compartilhamento do cuidado não remunerado dos filhos.

Uma maior atenção ao tema das masculinidades e saúde dos homens poderia contribuir para vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, entre eles os relacionados às DCNT, a desigualdade de gênero e a redução das desigualdades em saúde em bem-estar físico e mental. Para a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), abordar a masculinidade e a saúde dos homens é uma prioridade para avançar na agenda de saúde universal e igualdade de gênero. Na OPAS, estamos convencidos de que os esforços para melhorar a saúde pública devem incluir a atenção à saúde tanto dos homens como das mulheres, a redução das desigualdades de gênero e a melhora do bem-estar ao longo da vida (15).

*Artigo de autoria de Carissa F. Ettiene, diretora da OPAS/OMS, publicado originalmente em inglês e espanhol na Revista Pan-Americana de Saúde Pública de dezembro de 2018. A tradução ao português foi feita pela Representação da OPAS/OMS no Brasil. Acesse: https://iris.paho.org/handle/10665.2/49698.

Referências

1. Heidelbaugh JJ. Men’s health in primary care. Current Clinical Practice. Basel: Springer International Switzerland; 2016.
2. MacDorman MF, Kirmeyer S. Fetal and perinatal mortality, United States, 2005. Natl Vital Stat Rep. 2009;57(8):1–19.
3. Mathews TJ, MacDorman MF. Infant mortality statistics from the 2006 period linked birth/infant death data set. Natl Vital Stat Rep. 2010;58(17):1–31.
4. Central Intelligence Agency. The World Factbook: sex ratio. Available at: https://www.cia.gov /library/publications/the-world-factbook/fields/2018.html Accessed on September 23 2018.
5. World Health Organization. Global Health Observatory: NCD mortality and morbidity. Geneva: WHO; 2015. Available at: http://www.who.int/gho/ncd/mortality_morbidity/ en/ Accessed on September 23 2018.
6. Thorpe Jr R, Wilson-Frederick S, Bowie J, Coa K, Clay O, Laveist T, et al. Health behaviors and all-cause mortality in African American men. Am J Mens Health. 2013;7(4 Suppl): 8S–18S.
7. Smiler A. Thirty years after the discovery of gender: psychological concepts and measures of masculinity. Sex Roles. 2004;50(1):15–26.
8. Meryn S, Young AMW. Making the global case for men’s health. J Men’s Health. 2010;7(1):2–4.
9. Williams DR. The health of men: structured inequalities and opportunities. Am J Public Health. 2003;93(5):724–31.
10. Evans J, Frank B, Oliffe JL, Gregory D. Health, Illness, Men and Masculinities (HIMM): a theoretical framework for understanding men and their health. J Men’s Health. 2011;8(1):7–15.
11. Kimmel MS. Introduction: Towards men’s studies. American Behavioral Scientist. 1986; 29(5);517–529.
12. Barker G, Aguayo F, Kimelman E and Figueroa JA. Los hombres en las políticas de género. In Barker G. and Aguayo F (Coord.). Masculinidades y políticas de equidad de género: reflexiones a partir de la Encuesta IMAGES Internacional y una revisión de políticas en Brasil, Chile y Mexico. Río de Janeiro: Promundo; 2012.
13. Griffith DM, Gunter K, Allen JO. Male gender role strain as a barrier to African American men’s physical activity. Health Educ Behav. 2011;38(5):482–91.
14. Kaufman M. Los hombres, el feminismo y las experiencias contradictorias del poder entre los hombres. In T. Valdés and J. Olavarría (eds.), Masculinidad/es. Santiago: ISIS/ FLACSO; 1997.
15. World Health Organization. The men’s health gap: men must be included in the global health equity agenda. Baker P, Dworkin S, Tong S, Banks I, Shand T, and Yamey G. 2014. Bull World Health Organ. 2014;92:618-620. Available at: http://www.who.int/bulletin/ volumes/92/8/13-132795.pdf Accessed on September 23 2018.