Todo país é soberano para decidir sobre seus protocolos clínicos de uso de medicamentos. Embora a hidroxicloroquina e a cloroquina sejam produtos licenciados para o tratamento de outras doenças – respectivamente, doenças autoimunes e malária –, não há evidência científica até o momento de que esses medicamentos sejam eficazes e seguros no tratamento da COVID-19.
As evidências disponíveis sobre benefícios do uso de cloroquina ou hidroxicloroquina são insuficientes, a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento. Por isso, enquanto não haja evidências científicas de melhor qualidade sobre a eficácia e segurança desses medicamentos, a OPAS recomenda que eles sejam usados apenas no contexto de estudos devidamente registrados, aprovados e eticamente aceitáveis.
O ensaio clínico (série de pesquisas padronizadas) internacional chamado Estudo Solidariedade foi lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e parceiros em março de 2020, com o objetivo de ajudar a encontrar um tratamento eficaz para a COVID-19. Com base em evidências científicas de pesquisas laboratoriais, em animais e humanos, foram selecionadas no Estudo Solidariedade algumas opções de tratamento para análise quanto à eficácia no tratamento da COVID-19. Uma delas foi o uso de cloroquina* ou hidroxicloroquina. As demais opções foram: o uso de remdesivir; de lopinavir/ritonavir; e de lopinavir/ritonavir com interferon beta-1a.
Tendo se reunido em 23 de maio de 2020, o Grupo Executivo do Estudo Solidariedade decidiu implementar uma pausa temporária do braço de hidroxicloroquina do estudo, devido a preocupações levantadas sobre a segurança do medicamento. Essa decisão foi tomada como precaução, enquanto os dados de segurança foram revisados pelo Comitê de Segurança e Monitoramento de Dados do Estudo Solidariedade.
Em 3 de junho de 2020, com base nos dados de mortalidade disponíveis, os membros do comitê recomendaram que não havia motivos para modificar o protocolo do estudo. O Grupo Executivo então recebeu esta recomendação e endossou a continuidade de todos os ramos do Estudo Solidariedade, incluindo a hidroxicloroquina.
Posteriormente, com base em novas descobertas, a OMS anunciou em 17 de junho de 2020 que o braço de hidroxicloroquina do Estudo Solidariedade que buscava encontrar um tratamento eficaz para COVID-19 foi interrompido. O Grupo Executivo do estudo e os principais pesquisadores tomaram a decisão baseados em evidências do Estudo Solidariedade (incluindo dados do estudo francês Discovery), do ensaio Recovery do Reino Unido e de uma revisão Cochrane de outras evidências sobre a hidroxicloroquina. Os dados e os resultados anunciados mostraram que a hidroxicloroquina não resulta na redução da mortalidade de pacientes com COVID-19 hospitalizados, quando comparados com o padrão de atendimento. Com isso, os pesquisadores decidiram não randomizar outros pacientes para hidroxicloroquina no Estudo Solidariedade. Esta decisão se aplicou apenas à condução do Estudo Solidariedade em pacientes hospitalizados e não afetou a possível avaliação em outros estudos de hidroxicloroquina ou lopinavir/ritonavir em pacientes não hospitalizados ou como profilaxia pré ou pós-exposição para COVID-19.
Em outubro de 2020, os resultados do Estudo Solidariedade apontaram que os quatro tratamentos avaliados (remdesivir, hidroxicloroquina, lopinavir/ritonavir e interferon) tiveram pouco ou nenhum efeito na mortalidade geral, início da ventilação e duração da internação em pacientes hospitalizados.
No dia 1 de março de 2021, um painel de especialistas internacionais do Grupo de Desenvolvimento de Diretrizes da OMS afirmou, na publicação The BMJ, que a hidroxicloroquina não deve ser usada para prevenir a infecção em pessoas que não têm COVID-19. A forte recomendação do grupo foi baseada em evidências de alta certeza de seis ensaios clínicos randomizados envolvendo mais de 6.000 participantes com e sem exposição conhecida a uma pessoa infectada por COVID-19. A evidência de alta certeza mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo na morte e admissão ao hospital, enquanto a evidência de certeza moderada mostrou que a hidroxicloroquina não teve efeito significativo na infecção por COVID-19 confirmada em laboratório e provavelmente aumentava o risco de efeitos adversos. Como tal, o painel considerou que este medicamento não é mais uma prioridade de pesquisa e que os recursos devem ser usados para avaliar outros medicamentos mais promissores para prevenir COVID-19.
A recomendação do dia 1 de março de 2021 é a primeira versão de uma living guideline para medicamentos voltados à prevenção de COVID-19, desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde com o apoio metodológico da MAGIC Evidence Ecosystem Foundation. Seu objetivo é fornecer orientação confiável sobre o manejo de COVID-19 e ajudar os médicos a tomarem melhores decisões com seus pacientes. As living guidelines são úteis em áreas de pesquisa de rápida evolução, como a relacionada à COVID-19, porque permitem que os pesquisadores atualizem resumos de evidências previamente avaliados e revisados por pares.
Confira o documento da OPAS “Atualização contínua da terapia potencial COVID-19: resumo de revisões sistemáticas rápidas” para mais detalhes e informações sobre potenciais tratamentos.
A OMS e OPAS continuarão a analisar as evidências produzidas sobre o tema, de modo a prover os países e suas populações com informações baseadas na ciência.
*De acordo com o protocolo de pesquisa inicial, a cloroquina e a hidroxicloroquina foram selecionadas como possíveis medicamentos a serem testados no Estudo Solidariedade. No entanto, os testes só foram realizados com a hidroxicloroquina. Assim, a cloroquina foi removida no dia 25 de maio de 2020 das opções de tratamento em estudo listadas na página do Estudo Solidariedade.
[Atualização de 1 de março de 2021]