Julho de 2022
Quando as primeiras doses da vacina contra COVID-19 foram administradas em dezembro de 2020, muitas pessoas ficaram surpresas com a velocidade com que os cientistas criaram esse produto para combater o novo vírus que assolava o planeta.
De fato, a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas de RNA mensageiro (mRNA) são resultado de esforços colaborativos que começaram na década de 1980 e envolveram vários cientistas, com realizações substanciais ocorrendo desde o início da pandemia.
Atualmente, dois centros na América Latina estão trabalhando para produzir vacinas de mRNA para reduzir a alta dependência das Américas de importações de tecnologia em saúde: o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz), no Brasil, e a Sinergium Biotech, uma empresa biofarmacêutica privada na Argentina.
Ambas as instituições aderiram a uma iniciativa liderada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Banco de Patentes de Medicamentos (MPP, sigla em inglês) e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para colaborar no desenvolvimento dessas ferramentas de saúde inovadoras.
A região da América Latina e do Caribe importa 10 vezes mais produtos farmacêuticos do que exporta, o que a deixa vulnerável a flutuações na oferta global, principalmente durante emergências.
Os esforços para distribuir as vacinas contra COVID-19 enfatizaram esta situação. A oferta global limitada atrasou a capacidade de responder à pandemia em algumas partes da região, com um custo alto. Até o momento, mais de 2,7 milhões de pessoas morreram e algumas dessas fatalidades poderiam ter sido evitadas.
E quando as doses chegaram à América Latina e o Caribe, alguns países encontraram dificuldades para levá-las rapidamente aos braços de suas populações, especialmente as mais vulneráveis.
Em setembro de 2021, quando apenas cerca de 23% das pessoas nas Américas estavam totalmente vacinadas, a OPAS lançou a Plataforma para o avanço na produção de vacinas e outras tecnologias de saúde para a COVID-19 nas Américas para facilitar a transferência de tecnologia e impulsionar a produção regional. A iniciativa incluiu a colaboração com Bio-Manguinhos e Sinergium Biotech, aproveitando sua capacidade de fabricação existente.
"Termos sido selecionadas junto com o Brasil para ser produtores [das vacinas de Mrna] na região é um orgulho para nós", afirmou Germán Sánchez Alberti, gerente de Desenvolvimento e Inovação da Sinergium Biotech. “Isso nos deixará muito mais preparados para abastecer a região e diminuir os tempos de entrega no caso de uma pandemia”.
As vacinas de mRNA se baseiam em uma tecnologia de ponta que reduz as complexidades e os riscos de biossegurança para os produtores. Sem utilizar vírus vivos, como fazem muitas vacinas tradicionais, essas vacinas ensinam nossas células a produzir uma proteína que desencadeia uma resposta imune dentro de nossos corpos.
Essa versatilidade leva os cientistas a acreditar que a tecnologia de mRNA pode ser usada para desenvolver vacinas novas e eficazes contra futuras ameaças à saúde pública.
Por meio da plataforma da OPAS, especialistas de Bio-Manguinhos e da Sinergium Biotech estão agora trabalhando com o centro de transferência de tecnologia de mRNA estabelecido pela OMS na África do Sul para saber como aplicar os processos e atualizar seus laboratórios e padrões para incluir essa metodologia.
Em março de 2022, cientistas de ambas as instituições se tornaram os primeiros a receber formação sobre o desenvolvimento dessas novas vacinas por parte da empresa Afrigen, na Cidade do Cabo. Em maio, eles se reuniram novamente para uma sessão de acompanhamento no Brasil.
Construindo uma experiência sólida
A partir do Complexo Tecnológico de Vacinas do Rio de Janeiro, um dos maiores centros de produção da América Latina, Bio-Manguinhos garante a autossuficiência para o cumprimento do esquema de vacinação de rotina do Ministério da Saúde do Brasil. Também exporta mais para mais de 70 países vacinas contra doenças como febre amarela e meningite, por meio do Fundo Rotatório da OPAS e outros mecanismos de distribuição da ONU.
Em 2021, o Instituto forneceu mais de 233 milhões de doses de vacinas, incluindo 153 milhões de doses da vacina recombinante contra COVID-19 produzida em conjunto com a empresa biofarmacêutica AstraZeneca.
“O desenvolvimento de uma vacina de mRNA pela Fiocruz é um passo fundamental para o avanço no desenvolvimento de imunobiológicos. Com este projeto e o apoio da OMS, reafirmamos nosso compromisso com a ciência e tecnologia a serviço da população”, ressaltou a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima.
“Pretendemos entrar na primeira fase de replicação e produção no próximo ano para realizar os estudos clínicos necessários”, acrescentou Luiz Lima, vice-diretor de produção de Bio-Manguinhos/Fiocruz.
Na Argentina, a Sinergium Biotech estuda como construir um modelo da vacina em escala piloto, enquanto aprende com a experiência da Afrigen e compartilha as lições aprendidas com Bio-Manguinhos.
A empresa argentina foi fundada durante outra emergência de saúde, a pandemia de influenza A (H1N1), e forneceu nos últimos dois anos vacinas contra influenza para o Fundo Rotatório da OPAS.
“Ter essa capacidade instalada nos permite buscar projetos desafiadores para trazer outras tecnologias e produtos de saúde para a região”, disse Fernando Lobos, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Sinergium Biotech.
Para Lobos, a plataforma da OPAS oferece uma oportunidade única de cooperação em prol da ciência e da saúde pública. “A verdade é que é raro ver uma equipe tão unida em busca de um objetivo que sabemos que trará benefícios a longo prazo.”
“Isso não é um projeto, é um programa. É o início de um longo caminho que nos trará muitas opções e muitas vacinas para a região. Essa tecnologia abre um grande campo de trabalho futuro e, sem dúvidas, terá um forte impacto na situação da saúde nas Américas e melhorará o acesso de todos às vacinas”, acrescentou Lobo.
Dois anos após o início da pandemia, a desigualdade nas vacinas continua sendo um desafio para a resposta à COVID-19 nas Américas.
Nos países de média-baixa renda, apenas 46,1% da população geral foi totalmente vacinada até 13 de julho de 2022 – em comparação com 70,8% nos países de média-alta renda e 69,1% nos países de alta renda. Regionalmente, 221 milhões de pessoas ainda não receberam uma única dose.
A plataforma regional apoiará a colaboração entre países e instituições sob o princípio de que a fabricação de vacinas deve beneficiar toda a região, com distribuição coordenada pelo Fundo Rotatório da OPAS.
Em julho deste ano, a OPAS anunciou um plano com esforços adicionais para aumentar a capacidade de fabricação de medicamentos, produtos biofarmacêuticos e tecnologias e equipamentos de saúde na América Latina e no Caribe. Inclui o desenvolvimento de um sistema regulatório regional mais forte e a definição de um roteiro compartilhado em cooperação com parceiros internacionais, como a União Europeia.
“Provavelmente haverá surtos de outras doenças que exigirão que desenvolvamos e implementemos rapidamente novas vacinas, diagnósticos e medicamentos para combatê-los”, declarou a diretora da OPAS, Carissa F. Etienne. “Devemos estar melhor preparados para o futuro”.