OPAS realiza com município de São Paulo treinamento para equipes dos Centros de Cidadania LGBTI durante pandemia da COVID-19

OPAS realiza treinamento para pessoas que atendem população LGBTI

São Paulo, 13 de outubro de 2020 – A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) realizou, em conjunto com a Secretaria de Relações Internacionais e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania do município de São Paulo, um treinamento para cerca de 60 pessoas que trabalham nos Centros de Cidadania LGBTI e desenvolvem ações permanentes de combate à homofobia e respeito à diversidade na capital paulista.

O objetivo foi informar às equipes sobre as especificidades da COVID-19 para que estejam atualizadas sobre os cuidados necessários de proteção para atendimento direto a pessoas LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexo). 

A capacitação ocorreu na semana, na Casa da Mulher Brasileira, em São Paulo, e teve a participação das equipes dos três Centros de Cidadania que já funcionam na cidade, Zona Leste, Zona Norte e Zona Sul, e também a equipe que atuará no centro da Zona Oeste, previsto para ser inaugurado no dia 15 de agosto. 

De acordo com Ana Sena, consultora de gênero e saúde da OPAS e da Organização Mundial da Saúde (OMS), a população LGBTI, particularmente a população trans e travesti, com frequência não acessa as ações e serviços de saúde, nem os mecanismos de proteção social, tornando essas pessoas ainda mais invisíveis e vulneráveis no contexto de emergências. 

“A exposição à violência psicológica, como consequência da discriminação por orientação sexual e/ou identidade de gênero e/ou expressão de gênero, especialmente no setor saúde, eleva o risco dessa população evitar os serviços de saúde e não receber diagnóstico ou tratamento para a COVID-19”, destacou Ana Sena.  

“As pessoas trans e travestis enfrentam questões adicionais em relação ao preconceito e o estigma, como situação de violência e falta de oportunidade de trabalho. Em muitos casos, as relações familiares dessa população costumam ser mais complicadas. Muitas delas acabam tendo que trabalhar como profissionais do sexo e, por isso, se colocam em uma exposição ainda maior, inclusive de infecção para o novo coronavírus”, acrescentou Akemi Kamimura, consultora de direitos humanos da OPAS e da OMS.

Além de medidas como uso correto de equipamentos de proteção individual, foi apresentado no treinamento o histórico da doença no Brasil e no mundo, os diferentes tipos de testes para diagnóstico da COVID-19, sinais e sintomas clínicos mais frequentes, bem como informações e dicas sobre as medidas de distanciamento social e higiene pessoal.

A consultora de Vigilância, Preparação e Resposta a Emergências e Desastres do escritório da OPAS e da OMS no Brasil, Fabiana Ganem, conta que o objetivo principal da oficina foi de passar informações técnicas e promover uma discussão com as equipes sobre como aplicar as orientações na rotina de trabalho.

“Dessa forma, eles estarão aptos a fornecer para o público as informações corretas sobre a doença, forma de prevenção e possíveis anseios. Além disso, poderão realizar um atendimento adequado e com segurança. O objetivo é proteger o funcionário e a pessoa atendida do risco de infecção pelo coronavírus, principalmente no decorrer do atendimento”, pontuou.

Acesso à saúde, educação e emprego

Jogê Pinheiro participou do treinamento ofertado pela OPAS nesta semana. Ela é transexual e vai atuar como recepcionista no novo Centro de Cidadania que será inaugurado na Zona Oeste da cidade de São Paulo. Formada em Ballet, Podologia, Educação Física e Jornalismo, Jogê relata as dificuldades encontradas para conseguir um emprego, mesmo com qualificações profissionais. Com uma vida marcada pelo preconceito e portas fechadas, Jogê conta que já teve de vender frutas no sinal para alimentar sua família. Dona de uma personalidade forte e voz ativa, ela conta como vai acolher a população LGBTI no novo centro. 

“Eu quero privar as pessoas que eu atender no centro da Zona Oeste de tudo que eu passei na vida, todo o preconceito e falta de acolhimento. Claro que eu quero deixar muito claro que o mundo não é fácil, mas quero dizer que aqui dentro tem alguém que vai, no mínimo, te ouvir e te apoiar”, destacou Jogê, reforçando que adotará as medidas de proteção ensinadas no treinamento da OPAS para evitar a COVID-19. 

Fabiana Araújo, psicóloga do Centro de Cidadania LGBTI Edson Neris da Zona Sul, relata as dificuldades do período da pandemia para a população LGBTI, principalmente as trans e travestis. “Uma das principais vias de conforto para essa população é estar em contato, formar laços sociais, sair, se divertir, estar com as manas em casa tomando um café, estar dentro dos centros de cidadania, e isso se perdeu com a pandemia. Então, a gente está tendo vários atendimentos de pessoas dizendo que não aguentam mais, desenvolvendo distúrbios alimentares, automutilação, ideações suicidas e até tentativas de suicídio”, contou.

Fabiana explica ainda que o momento é de retomada dos atendimentos, inclusive de voltar atrás no tratamento de algumas meninas que estavam mais avançadas no cuidado psicológico. “Nos grupos de redução de danos de álcool e drogas tínhamos várias beneficiárias e pessoas atendidas de demanda espontânea que vinham de uma terapêutica nos CAPS, que a gente vinha acompanhando, sem uso, sem contato com álcool e, às vezes, até reduzindo o tabaco. Isso com a pandemia se perdeu completamente, tanto que agora, da semana passada para essa, que os serviços voltaram a funcionar normalmente, as principais demandas são atendimento conjunto em CAPS”, destacou.

Outra preocupação nos Centros de Cidadania LGBTI é com a questão da empregabilidade. Para isso, são ofertados cursos profissionalizantes, alfabetização e conclusão do currículo escolar para as beneficiárias. O serviço não foi suspenso durante a pandemia, funcionando de forma online para algumas. Para as beneficiárias da alfabetização, por exemplo, foram realizadas aulas presenciais com no máximo cinco alunas para evitar aglomeração e risco de infecção para a COVID-19. 

A assessora da Coordenação de Políticas para LGBTI da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania do município de São Paulo, Abigaill Santos Sousa, conta um pouco mais sobre o programa. “A gente se preocupa muito com a questão da empregabilidade, mas para isso, precisamos focar na elevação escolar. Por conta do preconceito, muitas trans e travestis largam os estudos muito cedo e os Centros de Cidadania são o local onde elas podem resgatar o estudo e se capacitar para ter condições de entrar no mercado de trabalho. Por isso, mesmo durante a pandemia as aulas continuaram acontecendo para que elas não perdessem tempo de estudo”, comentou.

Nicole Lima dos Santos, de 34 anos, é uma das beneficiárias do programa e frequenta o Centro de Cidadania LGBTI Luana Barbosa dos Reis Zona Norte. Ela está concluindo o ensino médio e se especializando em algumas áreas, como a de beleza e arte. “Quando comecei a estudar novamente tive uma visão completamente diferente, eu me senti respeitada, foi maravilhoso, uma ótima oportunidade. Como o centro passou a disponibilizar as aulas online durante a pandemia, estou quase concluindo o ensino médio e, em breve, poderei participar de processos seletivos para trabalhar”, contou Nicole.

Centros de Cidadania LGBTI

O município de São Paulo conta com três Centros de Cidadania LGBTI e, em breve, no dia 15 de outubro, irá inaugurar o quarto espaço para atendimento específico da população LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais). Os centros prestam atendimento nos seguintes eixos: 

- Defesa dos direitos humanos: atendimento a vítimas de violência, preconceito e discriminação. 
- Prestação de apoio jurídico, psicológico e de serviço social, com acompanhamento para realização de boletins de ocorrência e demais orientações.
- Promoção da cidadania LGBTI: suporte e apoio aos serviços públicos municipais da região central, por meio de mediação de conflitos, palestras e sensibilização de servidores. Realização de debates, palestras e seminários.